1º DOMNGO DO ADVENTO

Marcos 13,33 – 37

Ficai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo. Será como um homem que, partindo de uma viagem, deixa a sua casa e delega sua autoridade aos seus servos, indicando o trabalho de cada um, e manda ao porteiro que vigie. Vigiai, pois, visto que não sabeis quando o senhor da casa voltará, se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, para que vindo de repente, não vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: vigiai!

Comentário

Já é hora de acordar! Eis o apelo de Jesus no Evangelho que inaugura este tempo do Advento. Uma nova aurora surge no horizonte da humanidade, trazendo a esperança de um novo tempo de um mundo renovado pela força do Evangelho. Neste tempo de graça, somos convocados a sair do torpor de uma prática religiosa inócua, a acordar do sono dos nossos projetos pessoais vazios e egoístas. Despertos e vigilantes, somos convidados a abraçar o projeto de Deus que vem ao nosso encontro, na espera fecunda do Tempo do Advento, temos a chance de reanimarmos em nós e os compromissos assumidos em favor da construção do Reino, reavivando as forças adormecidas, para a construção de uma humanidade nova, livre das trevas do sofrimento, da marginalização e da morte.

Frei Sandro Roberto da Costa, OFM - Petrópolis/RJ

2º DOMINGO DO ADVENTO

Marcos 1,1 – 8

Conforme está escrito no Profeta Isaias: Eis que envio meu anjo diante de ti: Ele preparará teu caminho. Uma voz clama no deserto: Traçai o caminho do Senhor, aplainai suas veredas (Mt 3,1); Is 40,3). João Batista apareceu no deserto e pregava um batismo de conversão para a remissão dos pecados. E saiam para ir ter com ele toda a Judéia, toda Jerusalém, confessando os seus pecados. João andava vestido de pelo de carneiro e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel Sivestre. Ele pôs-se a proclamar: “depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; ele, porém, vos batizará no Espírito Santo”.

Comentário

“Preparai o caminho do Senhor, aplainai as suas veredas”. Clamando pelo deserto, João Batista nos indica que procurar viver conforme a Boa-Nova que Jesus nos trouxe não se trata, simplesmente, de viver dentro de um sistema religioso com certas práticas que nos identificam com tais. Talvez ele queira nos indicar que a fé, antes de tudo é um percurso, uma caminhada, onde podemos encontrar momentos fáceis e difíceis, dúvidas e interrogações, avanços e retrocessos, entusiasmo e disposição, mas também cansaço e fadiga. No entanto, o mais importante é que nunca deixemos de caminhar, pois o caminho se faz caminhando. Boa caminhada de Advento e preparação!

Frei Diego Atalino de Melo

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

10. POR QUE NOS SEDUZIU OZANAM?






   UNIVERSIDADE DE PARIS - SORBONNE

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POR QUE NOS SEDUZIU OZANAM?
Permitiu Deus que a vida se me alongasse desde aqueles dias em que, jovem ainda, tornou-se enlevo a vida e o espírito de Ozanam. Caíra-me às mãos, presente de um amigo, a vida desse jovem admirável, escrita, longa e encantadora, por Mons. Baunard.
Desde então, para a figura de Ozanam se me voltou o olhar. Por que assim me empolgou esse jovem? Como aos seus amigos, de outrora, seduzira-me então o encanto de sua pessoa em que bondade e brilho tão harmoniosamente se casavam; enlevava-me a sua atuação junto aos seus companheiros no empenho de os congraçar em torno das ideias nobres de que se lhe nutria o espírito; seu denodo em defesa do ideal cristão se impregnava em minha mente; a caridade que no coração lhe morava arrastava-me o meu. E havia laços que nos uniam e que eu ansiava por vê-los estreitar-se: ele nas irradiações de uma vida que se projetava luminosa no cenário da França; eu a sonhar seguir-lhe a trajetória, nesses sonhos de moço que tênues se me foram tornando, a medida que, malgrado meu, se me foram retardando os passos, pela pequenez de minhas forças.
E, no entanto, ao contemplar-lhe a vida, algo eu julgava que a dele se assemelhasse a minha. Ilusão que se foi aos poucos esvoaçando ante a rudeza da realidade.
E por que assim a mente jovem, que era a minha de então, em devaneio tão belo se acastelava?
Porque a fatores outros se me apegara que me cercavam mas que ao meu eu não pertenciam.

Ozanam,  em  suas  cartas,  nas  quais   o primor do estilo que  encantava  era veículo da profundeza de suas ideias e da beleza de seus sentimentos, falava dos pais que eram os seus.
E não tivera eu, também, um pai como o dele cujo coração era um tecido de bondade e em cuja alma tanta virtude se viera aninhar? E a mãe que eu tinha era, também, como a dele, uma santa em cuja mente a fé lançava raízes tão profundas que a tornavam impávida ante as procelas, e cuja firmeza, que doce o coração a sabia tornar, faziam-na a mentora de meus dias. 

Momentos houve em que ambicionei tornar-me sacerdote. De tanto, me não achou Deus merecedor.
Como Ozanam, encontrei uma esposa, - santa e meiga que ela era, - e uma filha, desde logo como a dele, deu-me também a minha, filha que ainda hoje encanta os meus dias de viuvez.
E eu também sentia pelas letras um pendor, e a história se me apresentava prenhe de atrativos. Condoía-me a miséria dos que sofriam as injustiças de uma sociedade na qual não querem os homens ser irmãos.
Sonhava lançar, eu também, uma pedra, pequenina que fosse, a fim de que mais alto um pouco ainda se tornasse o pedestal em que se erguia a Igreja de Cristo.
Muito sonho da juventude foi-se, com o tempo, desvanecendo! Imitar Ozanam era ambição demasiada para quem não possui a, à semelhança dele, messe grande de virtude, e que a voo tão alto se não guindara a inteligência.
Algo, porém, não morreu desse enlevo que n'alma se me despertara por esse jovem privilegiado: o desejo de cultuar-lhe a memória. E honrado eu me julgo e bem por Deus agraciado de ser vicentino; de seguir-lhe, mesmo à distância bem longa, a palavra de ordem que nos conduz ao pobre; de procurar, na medida de uma força, ainda que escassa, enaltecer essa Igreja pela qual tão ardorosamente ele se empenhou, com os arroubos de sua oratória e os primores de seus escritos.
Não me ocorre, fora das solenidades habituais em que a Sociedade de São Vicente de Paulo relembra o nome e as virtudes de Ozanam, que um curso tenha sido estabelecido em que esse nome e essas virtudes tenham sido cultuadas, e, mais ainda, semanalmente meditadas, para que, em ambiente tranquilo, como se o fora de uma escola, mais se pudessem n'alma vicentina infiltrar.


Por qualquer das múltiplas facetas pelas quais se lhe possa encarar a vida e a missão que pelo Céu lhe fora designada, quanto há a dizer, a comentar, a exaltar! Já se vem, há mais de um ano, estendendo este curso. Já muito ouvimos acerca de Ozanam. E, no entanto, bem pouco nos parece que se haja dito dessa vida que, se muito não durou na terra, muito por ela toda se projetou. A poucos foi dado viver tanto e tão intensamente, em percurso tão breve. Parece-nos que Ozanam, em uma intuição de que não seria longo o seu caminhar na vida terrena, procurou multiplicar os seus dias pela intensidade de sua atuação, impregnando a alma cristã da beleza que irradiava da sua.

Duas datas: 23 de Abril de 1813 e 8 de Setembro de 1853 marcam-lhe a jornada pela vida. De muito, ambas se aproximam, apenas por quarenta anos se distanciando. Pouco, bem pouco, para a realização de tantos projetos que lhe andavam pela mente, para tanto anelo que lhe morava no coração! Quão intensa, porém, foi a vida de Ozanam! Agia como se tempo lhe não sobejasse para a tarefa ingente que abraçara. E nesse afã de dar muito de si mesmo a seu Deus e à humanidade, pequeno lhe parecia o tempo. A Deus porém o contrário se lhe afigurou. Achou, certamente, que muito, em seu plano divino, já fizera esse novo apóstolo que incluíra entre os que no mundo havia deixado. Pouco julgara Ozanam haver produzido na missão que abraçara, muito, entretanto, a Deus lhe pareceu.

Bem, igualmente, conheceis, meus confrades e amigos, como os dias na terra se escoaram desse Ozanam que para nós ainda não morreu, que n'alma em nós viceja, que nos deixou luminosa para que seus passos pudéssemos acompanhar, prosseguindo na obra de caridade que nos legou.

Breves foram os dias de sua infância, quando à sombra do lar paterno, entre os exemplos dos pais e a companhia de irmãos que tanto do coração bem perto lhe viviam, rápido o espírito se lhe amadurecia. Parecia que ânsia ele tinha do crescer para viver aquela vida tão curta que seria a sua e em que a realizar tanto projeto acalentava.

Desde os bancos escolares, em sua cidade de Lyon, procurou Ozanam aprimorar seus conhecimentos a fim de que, um dia, os pudesse, em Paris, na cátedra da Sorbonne, disseminar, impregnados de uma orientação sadia e firme, espargindo-os sobre os espíritos jovens que afluíam numerosos às aulas que ministrava.


Cidade de Lyon - França

Quando apenas se lhe despertavam no espírito os lampejos primeiros de sua alma de escol, já pelos princípios da Igreja se entregava ao bom combate.


Não se receou, então, de enfrentar as teorias de Saint-Simon, pulverizando-as com solidez de argumentação, a esta emprestando os arroubos de seu coração impregnado do anseio de combater o erro e restabelecer a verdade, a fim de que do erro não se impregnassem aqueles que pelas aparências se deixassem seduzir.

Enamorado do bem e do belo dirigiu-se Ozanam para Paris. E no seu coração vicejava o amor: amor pelo Cristo, amor pela sua Igreja, amor pela humanidade, amor pelos sofredores do mundo.

Toda a sua vida foi um desfiar desse colar em que cada pérola era constituída por uma parcela de seu coração.

Amando o Cristo, nele encontrava o bem em toda a sua plenitude, a beleza na própria essência.

Amante do bem procurava acercar-se do manancial da bondade que brotava do coração do Cristo; seduzido pela beleza, sentia-se atraído pela que dele dimanava.

E como da bondade se lhe achava a alma impregnada, seu ideal era dissemina-la em torno de si.

Se assim sentia, assim agia.

Os anos que a Paris foi dado possuí-lo foram de messe farta de frutos desse encanto com que Ozanam deliciava aqueles que de perto viviam de sua vida.
Os companheiros, pressurosos, dele se acercavam, nele encontrando o guia que os empolgava, o exemplo pelo qual podiam pautar a vida.

Os amantes da caridade seguiam-no, ao convite de sua voz amiga, quando os conduzia à miso sublime do devotamento à pobreza que medrava no coração de Paris.

Constituiu-se Ozanam em defensor da Igreja, alvo que ela era de tantos ataques que lhe eram, então, desfechados por aqueles que clamavam já não ser ela mais a dos tempos primitivos da cristandade em que sua ação benéfica se fizera sentir na humanidade. Alegavam já lhe estar findo o papel, não mais preenchendo sua finalidade, incapaz de resolver os problemas em que já, então, o mundo se debatia. Revolta-se Ozanam contra tais invectivas, procurando em lições e artigos mostrar aos homens do seu tempo que o sulco traçado pelo Cristo, e seguido pela Igreja através dos tempos, jamais se apagara.

E foi imensa e foi vibrante a sua obra em defesa dessa Igreja à qual, até  a  própria  vida   hipotecara.  Não  lhe  foi  sem  espinhos  a  tarefa ingente,  encontrando-os  mesmo  a  feri-lo  entre  aqueles  que, sendo católicos,  divergiam  do  roteiro  que  traçara  e  das concepções pelas quais combatia.
    
Não se lhe desfalecia, porém, o ânimo, tão enraizadas nele viviam e vicejavam o amor que a ela consagrava e a convicção da missão divina de que se tornara depositária.

E quando da grandeza da Igreja despregava o olhar, era para a miséria do pobre que o volvia. Era, porém, ainda, embebido pela doutrina daquela, que a esta baixava o olhar, arrastado pelos impulsos do coração.

Como conformar-se que a uns tanto o ouro sobejasse e ao outros até o pão escasseasse.

Bem presente lhe andava. à mente a palavra do Apóstolo de que vã seria a fé se não se traduzisse em caridade. E Ozanam foi procurar o pobre. E não foi só. Uma plêiade ele arrastou, e esta através dos tempos multiplicou-se. Pelo mundo em fora espalharam-se os galhos dessa árvore cuja semente Ozanam plantara, que por ele foi regada com carinho, e a cuja sombra tanta miséria se vem, através de mais de um século, abrigando: a nossa Sociedade de São Vicente de Paulo.

Quantos milhares de discípulos seus têm levado ao pobre o pão a mitigar-lhe a fome, o fogo a aquecer-lhe o corpo enregelado, a palavra de bondade a servir-lhe de bálsamo ao coração que sangrava!

E que é este templo em que ora nos encontramos, felizes por falar d’aquele que o inspirou, senão um ramo robusto dessa árvore frondosa sobre a qual, do Céu, lança agora Ozanam um olhar e um sorriso a galardoar os esforços de quem para o pobre o levantou.


Adorando o Cristo, devotou-se à Igreja, e a esta se consagrando porque d'Ele era o legado que fizera ao mundo, e ao pobre amou porque nele sentia pousado, amoroso, o olhar do Cristo, pois que lhe era bem a imagem. Não nascera o Cristo na pobreza e pobre vivera? Nada ele poupou, de um corpo quera débil, dos tesouros de beleza que lhe douravam a alma e a luminosidade de sua inteligência, tudo consagrando ao desempenho da missão grandiosa que esposara.


Dilatava-se sobre o mundo o pensamento de Ozanam. O seu Deus, já n'alma o possuía; a Igreja soubera defender e exaltar com quanta força, fé e amor lhe imprimiam; o pobre, por ele olhava com carinho, suavizando-lhe a miséria para que esta não o afastasse daquele Deus que ele amava e daquela Igreja que cultuava.


Projetando o olhar por sobre a humanidade viu que, o só o pobre, mas que toda ela também sofria. Não existia no mundo somente a miséria que atormentava o corpo; havia ainda aquela que corra a alma. A impiedade alteava-se, cantando, pela voz de sua intelectualidade, o funeral da religião e de seus dogmas. Os diques da moral se haviam rompido; o torpor invadia o ânimo dos que ainda comungavam do ideal cristão! Revoltava-se o povo contra o clero, cuja atitude era castigada de ser aliada da aristocracia em suas pretensões de reconquistar as regalias de que a revolução o despojara.

    Para esse povo, em cuja alma crescia a revolta e a descrença, voltou-se, igualmente, o coração de Ozanam. Pareceu-lhe que, contra o racionalismo que então grassava, solapando os espíritos, mister era voltar ao tradicionalismo Que imprescindível se tornava restaurar a verdade, a fim de que se não deixasse o povo enganar-se pela propaganda que, ferrenha, se lançara contra o cristianismo no afã de, até seus alicerces, demoli-lo. Que fazer por esse povo no qual se vinha inoculando a descrença em Deus e o ódio à sua Igreja? Como guindá-lo a uma mentalidade nova, esclarecida, alentadora? Não podia a gente que era a sua, dessa França a que de alma pertencia, relegar todo um passado em que se escudara no cristianismo, fulgindo em toda a sua beleza na cenário do mundo.

   Na ânsia de unir esse povo com o seu Deus e a sua Igreja, a fim de que de novo se revitalizasse em Cristo, lançou-se Ozanam a uma nova luta. Não se contentando com as próprias forças de convencimento, apelou para Lacordaire a fim de que no templo de Notre Dame conclamasse o povo à verdade. Foi assim que tiveram início, pelas mãos de Ozanam, essa série de conferências proferidas por luminares da Igreja e que até nossos dias se prolongam, numa demonstração viva de quanto de bênçãos sobre elas veio, como que agradecido, o Céu derramar. Bem razão a esse mesmo Lacordaire assistia quando, a Ozanam se referir, deixou gravadas estas palavras: "Cristão algum em França do seu tempo amou mais a Igreja"! Não lhe bastou, a Ozanam, quanto até então fizera. Numa visão, que bem lhe definia a grandeza da alma, compreendera que era necessário, como ele mesmo o disse: "reconciliar a Igreja com o povo".

   E contra os que a denegriam, minando o espírito desse mesmo povo, ele foi buscar na trajetória da Igreja a glória com que pudesse realçar sua obra na marcha da civilização. Não lhe permitia o amor que a ela consagrava que apoucassem o papel preponderante da grandiosidade de sua obra.

   Para o trabalho histórico que empreendeu, com tal objetivo, traçou-lhe o plano nestas linhas que, em 26 de janeiro de 1848, endereçou a seu amigo Foisset:

    “... trata-se de tornar conhecida essa longa e laboriosa educação que a Igreja proporcionou aos povos modernos. Começaria por um volume de introdução, no qual tentaria demonstrar o estado intelectual do mundo ao surgir o cristianismo, o que a Igreja conseguiu recolher da herança da antiguidade; o modo pelo qual o recolheu e, consequentemente, as origens da arte e da ciência cristãs, desde a época das catacumbas e dos primeiros Padres. A seguir, surgiria o quadro do mundo bárbaro... e depois o seu ingresso na sociedade católica, e os prodigiosos trabalhos de homens como Boécio, Isidoro de Sevilha, Beda e São Bonifácio que impediram caíssem as trevas, levando a luz de um extremo a outro do império invadido, infiltrando-a em povos que se quedavam inacessíveis e que a passaram, de mão em mão, até Carlos Magno. Teria eu de estudar a obra reparadora desse grande homem e demonstrar que as letras, se antes dele não haviam perecido, não se extinguiram após ele. Deixaria patente tudo quanto de grandioso foi produzido na Inglaterra, no tempo de Alfredo, na Alemanha, na época dos Othons, e assim chegaria à Gregório VII e às Cruzadas.

   Teria, então, diante de mim, os três séculos mais gloriosos da Idade Média; teólogos como Santo Anselmo, São Bernardo, Pedro Lombardo, Alberto o Grande, São Tomás, São Boaventura, os legisladores da Igreja e do Estado, Gregório VII, Alexandre III, Inocêncio III e Inocêncio IV, Frederico II, São Luiz, Afonso X; toda a polêmica entre o Sacerdócio e o Império; as comunas, as repúblicas italianas, os cronistas e os historiadores, as universidades e a renascença do direito. Abordaria, ainda, toda essa poesia cavalheiresca, patrimônio comum da Europa latina e, à sua sombra, todas essas tradições épicas peculiares a cada povo, e que constituem os primórdios das literaturas nacionais.

   E eu assistiria a formação das línguas modernas, e meu trabalho teria, como coroamento, a Divina Comédia, o mais grandioso monumento desse período e que constitui o seu resumo e sua glória".

   O historiador em Ozanam foi o crente, iluminado pela fé e cioso de reconduzir ao seio da Igreja os que dela se haviam afastado.

   A Sorbonne proporcionou-lhe também ensejo, quando a ela assomou, para realizar seu nobre intento de demonstrar a magnitude da Igreja, nessa "longa e laboriosa educação que ela proporcionara aos povos modernos".

   Ao atirar-se à arena nesse combate gigantesco contra a incredulidade, não se iludia Ozanam sobre as dificuldades que se lhe iriam deparar. "Quanto mais difícil for, porém, a obra, dizia ele, mais belo será desempenhá-la".

                   "É preciso procurar nas ruínas do mundo antigo a pedra
                   angular sobre a qual será reconstruído o mundo novo".

  Não sabia Ozanam o que fosse desânimo ante a envergadura e amplitude da obra a que se consagrava. "É a doutrina do progresso por meio do cristianismo, clamava ele, a que eu procuro restabelecer, como consolo para os dias de inquietação."

   Apreciando os esforços de Ozanam em prol do levantamento do povo, assim se exprimia Montalembert, que com ele privara e o tinha em grande conta: "A afeição que sempre lhe consagrei e o meu apreço pela sua memória, abençoada e nobre, podem, tão somente consolar-me por ter ficado sempre tão distanciado de sua eloquência e da sua leal erudição".

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   Perdoai-me, prezados leitores, se por demais me distanciei do quanto de belo sobre Ozanam ambicionaria dizer-vos. Privei-vos, durante esses momentos em que procurei falar-vos sobre Ozanam, de ouvir essas preleções em que esse mestre de nós todos, o nosso prezado Presidente, nos vinha encantando ao dissertar sobre essa figura que tanto empolga a alma e o coração dos vicentinos.

   Se assim, porém, eu procedi, foi que a tanto ele mesmo me impeliu. E à sua voz de comando não me foi dado o esquivar-me.

  Aqui neste recinto que suas mãos ergueram, conduzidas pelas de Ozanam, viceja também o sonho que a este, durante a sua jornada pela terra, o empolgou. E esse recanto vicentino nos diz que Ozanam para nós ainda vive. Se a figura de Ozanam eclipsou-se ao olhar dos que, então, o amavam, em nós não se apagou a lembrança do que ele fez e do que ele foi. Bem ela permanece, cingida da glória de um passado que, radiosa, refulge no presente.

   Com que justo orgulho e santo podemos clamar, nós vicentinos, que Ozanam não cessou de viver, pois que continuam seus discípulos a dar vida aos ideais que dele nasceram, e que em nós ainda vivem sentimentos que n'alma nos despertou.
                                                                                    
                                                                 JOÃO PEDREIRA DUPRAT
                                                                                         
                                                                               13-3-1959



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